QUINTETO DE OURO - AKI KAURISMÄKI

A poucos meses de seu sexagésimo aniversário, Aki Kaurismäki foi o escolhido para o último Quinteto de Ouro de 2016, uma primeira temporada que passeou por diretores, atores, nacionalidades, prêmios e parcerias. Se tem um cinema que prima pelo simples aliado ao inventivo, esse é o cinema do realizador finlandês. São pouco mais de 30 anos de carreira de filmes que raramente alcançam 90 minutos de duração, e ele mesmo já afirmou que não é necessário mais do que isso para contar uma história.

Essa concisão é uma das peculiaridades que tornam sua obra memorável, ao mesmo tempo que ainda é subestimada. Mesmo entre os cinéfilos mais vorazes, são raras as vezes em que seu nome é mencionado e posto em discussão. No que se refere ao uso das cores, seus longas também são um deslumbre à parte, que não deve em nada ao seu colega de ofício Pedro Almodóvar, com a diferença que este investe nas cores cálidas e aquele se vale de uma paleta fria, ainda assim alegre e contrastante com o estado de espírito melancólico de seus protagonistas e coadjuvantes. 

Vez por outra, Kaurismäki - que tem um irmão mais velho também cineasta, com quem trabalhou no início da carreira - concede entrevistas e deixa à mostra seu jeito um tanto tímido e de pausas silenciosas, tão comuns em seus filmes. Em uma dessas entrevistas, comentou que satisfaz sua fome cinéfila apenas com filmes em DVD, e tem como um dos heróis da juventude (e até hoje) ninguém menos que Charles Chaplin. Faz todo o sentido quando vemos os tipos aparvalhados, mas cheios de coração, que ele entrega a cada novo trabalho, do qual também normalmente é roteirista. Não é um sujeito fácil de travar diálogo, como fez questão de deixar registrado a jornalista Pamela Bienzóbas. Mas se esforça.

Sua atriz fetiche é Kati Outinen, uma parceira de oito filmes, e quase todos os meus escolhidos a têm no elenco. Em um desses felizes encontros, ela foi reconhecida com o prêmio de interpretação feminina no Festival de Cannes, em O homem sem passado (2002), também escolhido como o representante da Finlândia daquele ano para concorrer a uma vaga na categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar. Fica o convite para conhecer um pouco de sua profícua obra, da qual foram pinçados meus cinco preferidos, dispostos em ordem cronológica. Alguns parágrafos vêm de críticas já escritas sobre seus filmes, e outros foram escritos especialmente para esta edição. Tomara que acendam a chama de potenciais admiradores.

1. Ariel (idem, 1988)


Típica comédia de erros que Kaurismäki domina como poucos, Ariel conta a história de um homem preso após uma acusação de um crime pelo qual não é responsável. Uma vez na cadeira, passa a engendrar sua vingança. Não se deixe levar somente pela sinopse: é o detalhe que menos pesa em se tratando dos filmes do realizador. A banalidade da trama é atravessada por momentos de humor lacônico em lugar das cenas gargalhantes, e aqui não é diferente. E o que dizer da trilha de canções internacionais - ele ama usar músicas em inglês para sonorizar suas histórias - que mesclam um ar descolado às condutas desajeitadas do protagonista, de palavras raras e sorrisos quase inexistentes. Mas essa carapaça difícil recobre um coração capaz de atos generosos e passível de arrependimento. Essa parece ser a noção de humanidade e amor para Kaurismäki.

2. A garota da fábrica de caixas de fósforos (Tulitikkutehtaan tyttö, 1990)


"[...] uma pergunta se subscreve a toda a narrativa do filme, que, por pouco, não seria um média-metragem: a inocência e o otimismo suportam todo tipo de adversidade e crueldade? Como tentasse responder a esse profundo e inquietante questionamento, Aki Kaurismäki entrega uma história forte, de diálogos esparsos, alicerçada em um minimalismo que se reflete em todos os aspectos. O interesse maior do cineasta é pela observação, meio que ele elege para tentar dar conta de explicar a complexidade da temática que decidiu abordar. O filme se inicia justamente com a tal fábrica onde Iris trabalha, e somos colocados diante de uma série de máquinas que, com suas repetições mecânicas, delimitam que aquele espaço é reservado unicamente a um trabalho cego." A tal garota é vivida por Kati Outinen, que já merecia desde então um prêmio por seu marcante desempenho.

3. Nuvens passageiras (Kauas pilvet Karkaavat, 1996)


"Parte integrante de uma trilogia sobre os chamados "perdedores", Nuvens passageiras (Kauas pilvet karkaavat, 1996) oferece a possibilidade de entender um pouco da crise europeia quando ela ainda estava em seus primeiros sintomas, longe do que se iria verificar através da mídia no início dos anos 2010. [...]. O título é carregado de otimismo, dando a entender que não há situação ruim que dure para sempre. Para dar conta de expressar essa visão de mundo, o realizador não apresenta estereótipos de sonhadores ou otimistas ingênuos. Antes, prefere mostrar seres humanos verossímeis, que se agarram às oportunidades que surgem e colocam em prática o ditado "Se a vida te der um limão, faça uma limonada". Está claro que os percalços surgem para todos nós. Por que não poderiam atingir pessoas como Ilona e Lauri também? Demonstrando ciência dessa verdade, eles se empenham e têm ideias simples e criativas que acabam dando certo.

4. Juha (idem, 1999)


Praticante de um cinema minimalista - inclusive no que tange à duração da maioria dos exemplares de sua carreira fílmica - Kaurismäki aboliu a palavra falada em Juha. O título é o nome do protagonista, um homem tão grande em tamanho quanto em generosidade que se apaixona por uma mulher órfã e se casa com ela. A proposta de uma vida glamourosa, longe daquele ambiente campestre, vem encarnada na figura de um homem que a seduz, e pouco há a ser acrescentado ao enredo do longa de 70 minutos. Nem importa, aliás, pois o brilhantismo do cineasta se mostra muito mais na forma do que no conteúdo, ainda que o segundo não seja negligenciado. Prestando uma deliciosa homenagem ao cinema mudo e fazendo comédia de sorrisos de canto de boca, ele consegue entregar uma preciosidade audiovisual - sim, os ouvidos também são agraciados com a trilha sonora de pulsações intensas e até dançantes onde não seriam esperadas inicialmente.

5. O homem sem passado (Mies vailla menneisyyttä, 2002) 


Espancado até desmaiar, um sujeito acorda sem memória e tenta recomeçar a vida de outro jeito. Essa trama simples oferece a possibilidade de trazer novamente à tona algumas constantes do cinema de Aki Kaurismäki, como a direção de atores em tom algo teatral, que pode causar a impressão de certo distanciamento e artificialismo nas interpretações, e também o emprego de cores frias e extravagantes nos ambientes por que passam os personagens, compondo quadros estilizados. Sem falar no humor de sorrisos de canto de boca, por vezes tão discreto que pode passar despercebido para espectadores em busca de ensejos para risadas mais efusivas e a aposta em uma abordagem humanista, que se encontra subscrita a contextos de certo pessimismo e, a partir de certo momento, ergue-se triunfante sobre uma ampla gama de mazelas e misérias de caráter. 

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